Rescisão de Contrato de Plano de Saúde de forma unilateral.

O cancelamento unilateral de um plano de saúde ocorre quando a operadora decide encerrar o contrato, muitas vezes sem aviso prévio, e sem apresentar uma justificativa adequada para essa ação. Esse é um cenário que tem gerado grande desconforto e preocupação para os beneficiários.

Afinal, ao contratar um plano de saúde, os consumidores esperam contar com um serviço contínuo e de qualidade para cuidar da sua saúde e da de seus familiares. No entanto, em muitos casos, as operadoras optam por rescindir contratos de forma arbitrária, deixando os beneficiários desamparados.

Uma das razões que podem levar ao cancelamento unilateral de planos de saúde coletivos é o aumento dos custos para as operadoras. Quando o número de beneficiários de um grupo diminui, a operadora pode alegar que o plano não é mais sustentável financeiramente e, portanto, optar pelo cancelamento. No entanto, essa prática deixa os beneficiários em uma posição vulnerável, sem alternativas claras para garantir sua assistência médica.

De início, importante pontuar que as regras de cancelamento dos planos de saúde pelas operadoras dependem da modalidade de contratação do plano de saúde:

Individual ou Familiar: são aqueles contratados diretamente por pessoas físicas, individualmente ou com seus dependentes.

Coletivo empresarial a contratação é feita pelo empregador para seus funcionários e dependentes.

Coletivo por adesão a contratação é feita por sindicatos, associações, cooperativas etc. para seus associados e dependentes.

Partindo dessa premissa, o questionamento que surge é acerca da política por trás da possibilidade de cancelamento unilateral pelas operados de saúde para cada plano contratado, o que pode ser sintetizado pelo quadro abaixo, constante no Anexo I da Resolução nº 509, de 2022, da ANS:

A política de cancelamento unilateral pelas operadoras no plano individual/familiar

No caso dos planos individuais/familiares, o plano pode ser cancelado pela operadora se houver fraude ou inadimplência.

A lei 9.656/98, em seu art. 13, inciso II, determina que a rescisão unilateral poderá ser feita pelo não pagamento de mensalidade por prazo superior a 60 (sessenta) dias, consecutivos ou não, nos últimos 12 meses de vigência do contrato, desde que o consumidor seja comprovadamente notificado até o 50º dia de inadimplência.

Nesses casos, é de responsabilidade da operadora de saúde notificar o beneficiário pessoa física que o contrato está sendo rescindido por falta de pagamento da mensalidade.

Ao notificar um cliente de que há mensalidade do plano de saúde em atraso, a operadora deve facilitar o pagamento e conferir prazo suficiente para o adimplemento antes cancelar o contrato.

Essa notificação, como determina a lei, deve ser realizada até o 50º dia de inadimplência.

A ANS estabelece aspectos relevantes da notificação determinados na Súmula 28 da ANS, quais sejam: identificação da operadora de plano de assistência à saúde, contendo nome, endereço e número de inscrição no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas Identificação do consumidor, identificação do plano privado de assistência à saúde contratado, valor exato e atualizado do débito, período de atraso com indicação das competências em aberto e do número de dias de inadimplemento absoluto ou relativo constatados na data de emissão da notificação, forma e prazo para regularização da situação do consumidor, indicando meio de contato para o esclarecimento de dúvidas, rescisão ou suspensão unilateral do contrato em caso de não regularização da situação do consumidor.

Ainda na mesma Súmula consta que no caso de notificação pelo Correio com Aviso de Recebimento entregue no endereço do consumidor contratante, presume-se que o consumidor tenha sido notificado até apresentação de prova em contrário, não sendo necessária a assinatura no aviso de recebimento.

Na prática, o que acontece mais rotineiramente é o consumidor se deparar com o cancelamento do plano de saúde por inadimplência quando do uso dos serviços, sem que tenha sido notificado previamente.

Acontece que a rescisão do contrato individual, sem a comprovada notificação prévia do beneficiário, é ilegal e abusiva, passível de aplicação de penalidade à operadora e indenização em favor do usuário.

No mais, a operadora pode rescindir o contrato se for constatada fraude por parte do beneficiário, entendendo por fraude irregularidades, como por exemplo:  mentir ou omitir sobre doença preexistente, emprestar a carteira do plano para outra pessoa, alteração da data de nascimento de titular.

A política de cancelamento unilateral pelas operadoras no plano coletivo

Os planos de saúde coletivos, sejam eles empresariais ou por adesão, podem ser cancelados pela operadora de saúde de forma unilateral e sem nenhuma justificativa, desde que isso seja feito após a vigência do contrato e mediante notificação com antecedência de 60 dias.

Embora a Lei dos Planos de Saúde não trate expressamente sobre essa questão, existe Resolução da ANS que autoriza o cancelamento unilateral do plano de saúde pela operadora.

A Resolução 557, de 2022, da ANS, em seu artigo 23 prevê que as condições de rescisão do contrato ou de suspensão de cobertura, nos planos privados de assistência à saúde coletivos por adesão ou empresarial, devem constar do contrato celebrado entre as partes.

A Resolução 509, de 2022, da ANS, estabelece no Anexo I as condições de rescisão pela operadora:

A operadora poderá rescindir o contrato desde que haja previsão contratual e que valha para todos os associados. O beneficiário poderá ser excluído individualmente pela operadora em caso de fraude, perda de vínculo com a pessoa jurídica contratante, ou por não pagamento. O contrato coletivo somente pode ser rescindido imotivadamente após a vigência do período de doze meses. A notificação deve ser feita com 60 dias de antecedência., mas sendo os beneficiários destinatários finais dos serviços e estando presente vulnerabilidade, aplicam-se à hipótese as normas consumeristas.

O CDC estabelece que são direitos básicos do consumidor a informação adequada e clara, de modo que a transparência e a comunicação eficaz entre as partes são essenciais para proteger os direitos dos consumidores.

Ainda, o CDC também estabelece que as cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor e que são nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade.

Nesse cenário, ao cancelar imotivadamente o plano de saúde coletivo sem justo motivo e sem aviso prévio coloca o consumidor em clara desvantagem, ferindo princípio basilar de qualquer relação contratual – a boa-fé.

Por essas razões é que a intenção do cancelamento deve preceder da notificação prévia e o caso ocorra sem comunicação formal torna-se ilegal e gera dever de indenizar, segundo jurisprudência dos tribunais brasileiros.

No mais, o art. 1º da Resolução 19/99 do Conselho de Saúde Suplementar determina que se disponibilize ao beneficiário plano ou seguro de assistência à saúde na modalidade individual ou familiar similar, sem necessidade de cumprimento de novos prazos de carência, desde que esse produto seja comercializado pela empresa. 

Destaca-se, por oportuno, que segundo entendimento sedimentado no STJ, não pode ser considerada ilegal a atitude da operadora que se nega a comercializar plano individual e assim ofertar a migração modalidade individual ou familiar similar, uma vez que não há nenhuma norma legal que as obrigue a atuar em determinado ramo de plano de saúde.

De modo que o fato de não comercializar planos de saúde individuais dispensa a operadora de fornecê-los em substituição ao plano coletivo empresarial rescindido unilateralmente por ela.

Acresce ainda que ao cancelar imotivadamente, a operadora de saúde deve oportunizar a migração dos usuários sem cumprimento de carências, permitindo a portabilidade de carências, sob risco de inobservância do que dispõe o art. 1º da Resolução 19/99 do CONSU e a Resolução Normativa 438/18.

E se o beneficiário estiver realizando algum tratamento de saúde?

A Segunda Seção do STJ, em 22/6/22, por unanimidade, fixou a seguinte tese jurídica no Tema Repetitivo 1082:

“A operadora, mesmo após o exercício regular do direito à rescisão unilateral de plano coletivo, deverá assegurar a continuidade dos cuidados assistenciais prescritos a usuário internado ou em pleno tratamento médico garantidor de sua sobrevivência ou de sua incolumidade física, até a efetiva alta, desde que o titular arque integralmente com a contraprestação devida.”

(REsp 1.846.123-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 2ª Seção, unanimidade, j. 22/6/22, DJe 01/8/22 – Tema Repetitivo 1082) 

Segundo a decisão, a operadora, mesmo após exercer o direito legítimo à rescisão contratual, deve assegurar a continuidade dos cuidados assistenciais até a efetiva alta médica.

O entendimento vem fundamentado na interpretação sistemática e teológica do art. 8º, §3º, “b” e art. 35-C, inc. I e II, ambos da Lei 9.656/98, bem como do art. 16 da Resolução Normativa 465/21 da ANS.

Nas razões de decisão, o Min. Relator Luis Felipe Salomão, apontou que “além de encontrar previsão nos dispositivos acima citados, essa conclusão também está amparada na boa-fé objetiva, na segurança jurídica, na função social do contrato e no princípio constitucional da dignidade da pessoa humana”.

Assim, é assegurado ao beneficiário o direito de se manter no plano de saúde, nas mesmas condições de cobertura assistencial, enquanto perdurar a necessidade de tratamento médico.

Fonte: https://www.migalhas.com.br/depeso/393300/plano-de-saude-cancelado-de-forma-unilateral-e-sem-justificativa

 

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