Usucapião de Bens Imóveis Urbanos

 

A ideia principal do instituto da usucapião é a proteção da função social da propriedade, ou seja, apesar da garantia fundamental ao direito de propriedade, constante no art. , inciso XXII da Constituição Federal, esta não se mostra de forma absoluta.

É que, a propriedade privada somente se justifica enquanto cumpre a função social, ou seja, atendendo às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor, conforme reza o art. 182§ 2º da CF.

Nesse sentido, verifica-se que a usucapião nada mais é do que uma forma originária de aquisição de imóvel, permitida por lei, tendo como objetivo atingir a função social da terra por aqueles que, atendendo a certos requisitos, garantem a estabilidade da propriedade.

Vejamos então os requisitos para a usucapião urbana:

1. Posse com intenção de dono (animus domini): É fundamental que a posse do imóvel usucapiendo não seja decorrente de atos de mera tolerância, como oriundos de contratos de locação, comodato e depósito, concretizando, dessa forma, a característica de dono.

2. Posse mansa e pacífica: Importante que não haja nenhuma contestação do proprietário legítimo registrado no Cartório de Registro de Imóveis da área usucapienda (instransferibilidade). Havendo a qualquer tempo contestação da posse pelo proprietário legítimo, fica descaracterizada a usucapião.

3. Posse de boa-fé e com justo título: Estes requisitos somente são exigíveis na modalidade de usucapião ordinário, constante no art. 1.242 do Código Civil, onde tratarei deles adiante, em conjunto com a referida modalidade de usucapião.

4. Posse contínua e duradoura: Cada modalidade de usucapião estabelece um prazo mínimo de posse para aquisição do direito à propriedade por usucapião, conforme trarei mais adiante.

Contagem de prazo para a usucapião

Para a contagem do tempo de posse, tem-se o Art. 1.243, do Código Civil, que diz que o possuidor pode, para o fim de contagem do tempo exigido pelos artigos antecedentes, acrescentar à sua posse a dos seus antecessores (1.207), contanto que todas sejam contínuas, pacíficas e, nos casos do art. 1.242 (usucapião ordinário), com justo título e de boa-fé.

Assim, este dispositivo não se aplica à usucapião constitucional, haja vista que a Constituição Federal dá tratamento específico ao tema. Sendo assim, irei elencar os diferentes tipos de usucapião para imóveis urbanos, senão vejamos:

I) Usucapião Ordinária (art. 1.242, CC)

O Art. 1.242 do Código Civil menciona que:

“Adquire também a propriedade do imóvel aquele que, contínua e incontestadamente, com justo título e boa-fé, o possuir por 10 (dez) anos. Parágrafo único: Será de 5 (cinco) anos o prazo previsto neste artigo se o imóvel houver sido adquirido, onerosamente, com base no registro constante do respectivo cartório, cancelada posteriormente, desde que os possuidores nele tiverem estabelecido sua moradia, ou realizado investimentos de interesse social e econômico.”

Requisitos da Usucapião Ordinária

 

Ademais, no que tange o caput do referido artigo, tem-se os seguintes requisitos:

1. Posse mansa, pacífica e ininterrupta com animus domini, por 10 (dez) anos.

2. Justo título: Este requisito gera muita discussão, principalmente de defensores públicos, havendo sentenças de improcedência alegando que o instrumento particular de compra e venda de imóvel não devidamente registrado no Cartório de Registro de Imóveis (CRI) não pode ser considerado válido, visto ser nulo de pleno direito.

Tal entendimento ocorre, pois, geralmente, tais aquisições são oriundas de loteamentos não autorizados pelo Poder Público, não obedecendo ao disposto na Lei nº 6.766/79 que regulamenta o parcelamento do solo urbano. Além disso, estes loteamentos, em sua maioria, não são registrados no Cartório de Registro de Imóveis (CRI), conforme necessita o art. 167, inciso I, n. 19, da Lei 6.015/73, o qual dispõe sobre os registros públicos.

Ademais, há outra corrente que possui outro pensamento, visto que, a ideia da usucapião não é a validação do negócio jurídico, e sim, a garantia da função social da posse.

Nesse sentido, há o enunciado 86 da I Jornada de Direito Civil que diz: “Art. 1.242: A expressão “justo título” contida nos arts. 1.242 e 1.260 do CC abrange todo ato jurídico hábil, em tese, a transferir a propriedade, independentemente de registro”. Além disso, já existem diversos acórdãos nas instâncias superiores seguindo este entendimento.

3. Boa-fé: A boa-fé exigida é a constante no Art. 1.201 e seguintes do Código Civil, em que é de boa-fé a posse, se o possuidor ignora o vício, ou o obstáculo que impede a aquisição da coisa.

Outrossim, em relação ao parágrafo único do Art. 1.242CC, há algumas particularidades, ou seja, o prazo diminui para 05 (cinco) anos, se o imóvel houver sido adquirido, onerosamente, com base no registro constante do respectivo cartório, cancelada posteriormente, desde que os possuidores nele tiverem estabelecido a sua morada, ou realizado investimentos de interesse social e econômico.

II) Usucapião Extraordinária (art. 1.238, CC)

Já em relação ao art. 1.238 do Código Civil temos que:

“Aquele que, por 15 (quinze) anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé, podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis. Parágrafo único: O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a 10 (dez) anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo”.

Nesse sentido, no que tange ao caput do referido artigo, percebe-se, ao contrário da usucapião ordinária, o único requisito para a aquisição originária do imóvel é sua posse mansa, pacífica e ininterrupta com animus domini por 15 (quinze) anos, não sendo exigido justo título ou boa-fé.

Quando mencionamos o parágrafo único do art. 1.238CC, este prazo diminui para 10 (dez) anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo, ou seja, novamente diminui-se o prazo para aquisição originária do imóvel, face ao máximo cumprimento da função social.

Assim, esta é considerada a forma mais “simples” de aquisição originária de imóvel por usucapião, uma vez que, basta a posse mansa, pacífica e ininterrupta pelo prazo estipulado no artigo.

Note-se que, é por este motivo que o tempo exigido de posse é maior frente às outras modalidades de usucapião!

III) Usucapião Constitucional ou Especial Urbana pro misero (arts. 183, CF; 1.240, CC; 9º, Lei nº 10.257/01)

O art. 183, caput, da Constituição Federal diz que:

“Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural”.

Nesse sentido, este dispositivo foi reproduzido no art. 1.240CC e no art.  da Lei 10.257/01 (Estatuto da Cidade).

Vale uma ressalva ao art. § 3º da Lei nº 10.257/01 que diz “Para os efeitos deste artigo, o herdeiro legítimo continua, de pleno direito, a posse de seu antecessor, desde que já resida no imóvel por ocasião da abertura da sucessão”. Portanto, não se aplica a regra do Art. 1.243 do CC, como vimos anteriormente, não sendo possível, portanto, a soma das posses inter vivos.

Requisitos:

Nesse azo, são requisitos do dispositivo:

1. Posse mansa, pacífica e ininterrupta com animus domini por 5 (cinco) anos;

2. Área urbana de até 250m2;

3. Ser utilizado para a sua moradia ou de sua família;

4. Não pode ser proprietário de outro imóvel rural ou urbano;

5. Não será conferida a propriedade por usucapião especial urbana mais de uma vez.

Ou seja, este dispositivo deixa claro o ânimo em atender o direito mínimo de moradia e a função social da posse.

IV) Usucapião Constitucional ou Especial Urbana por abandono do lar (art. 1.240-A, CC)

Com o advento da Lei nº 12.424/11, foi adicionado ao Código Civil a modalidade de usucapião especial urbana por abandono do lar, por meio do art. 1.240-A que diz:

“Aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m2 (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. Parágrafo único: O direito previsto no caput não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez”.

Desta forma, note que o dispositivo é muito semelhante à usucapião especial urbana, visto anteriormente. Contudo, a diferença encontrada aqui é a redução do prazo de posse mansa, pacífica e ininterrupta com animus domini para 2 (dois) anos.

Assim, outro requisito importante é o abandono do lar do ex-cônjuge ou ex-companheiro (a). É que, a ideia principal é a da proteção da entidade familiar, no sentido de não deixar desamparada a família em que o cônjuge tenha abandonado.

IMPORTANTE: Lembre-se de que eventual ação de divórcio em que se discute o bem imóvel em questão interrompe o prazo para aquisição por usucapião!

V) Usucapião Especial Urbana coletiva (art. 10, Lei nº 10.257/01)

Tem-se art. 10 da Lei nº 10.257/01 (Estatuto da Cidade), que trata:

“As áreas urbanas com mais de duzentos e cinquenta metros quadrados, ocupadas por população de baixa renda para sua moradia, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, onde não for possível identificar os terrenos ocupados por cada possuidor, são susceptíveis de serem usucapidas coletivamente, desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural.”

Neste tópico temos que o objetivo principal deste dispositivo é a regularização das comunidades de baixa renda urbanas. Portanto, são os requisitos para a concessão da usucapião especial urbana coletiva:

Requisitos:

1. Área urbana com mais de 250m2.

2. Ocupação por população de baixa renda que façam do imóvel sua moradia habitual.

3. Posse mansa, pacífica e ininterrupta com animus domini por 5 (cinco) anos.

4. Não possibilidade de identificação da área ocupada por cada possuidor.

5. Não ser proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

Outrossim, os parágrafos do referido dispositivo traçam regras claras para esta modalidade de usucapião, dentre as quais:

· A usucapião especial coletiva de imóvel urbano será declarada pelo juiz, mediante sentença, a qual servirá de título para registro no cartório de registro de imóveis;

· O possuidor pode, para o fim de contar o prazo exigido, acrescentar sua posse à de seu antecessor, contanto que ambas sejam contínuas;

· Na Sentença, o juiz atribuirá igual fração ideal de terreno a cada possuidor, independentemente da dimensão do terreno que cada um ocupe, salvo hipótese de acordo escrito entre os condôminos, estabelecendo frações ideais diferenciadas;

· O condomínio especial constituído é indivisível, não sendo passível de extinção, salvo deliberação favorável tomada por, no mínimo, dois terços dos condôminos, no caso de execução de urbanização posterior à constituição do condomínio;

· As deliberações relativas à administração do condomínio especial serão tomadas por maioria de votos dos condôminos presentes, obrigando também os demais, discordantes ou ausentes.

 

Fonte: https://www.jusbrasil.com.br/artigos/usucapiao-de-bens-imoveis-urbanos/534411241

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