Justiça aplica Protocolo de Julgamento com Perspectiva de Gênero e reconhece o valor do trabalho de cuidado na fixação de alimentos

A compreensão do Poder Judiciário sobre as desigualdades estruturais de gênero tem avançado significativamente — e decisões recentes demonstram que esse movimento já produz impactos concretos na vida das famílias brasileiras. Um exemplo emblemático é a sentença da 3ª Vara da Família e Sucessões da Comarca de São Paulo, que aplicou expressamente o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero do CNJ para fixar alimentos a favor de uma criança, reconhecendo a relevância da economia do cuidado exercida pela mãe, responsável exclusiva pelos cuidados diários.

A decisão se alinha à abordagem defendida pelo IBDFAM, conforme artigo recentemente publicado, segundo o qual o reconhecimento jurídico do trabalho de cuidado — historicamente desempenhado pelas mulheres, de forma não remunerada e invisibilizada — é essencial para promover igualdade substancial, equidade nas relações familiares e justiça distributiva.

 

Reconhecimento da economia do cuidado como fator jurídico relevante

 

Na sentença, a magistrada destacou que a genitora exerce, sozinha, todas as atividades de cuidado, tais como higiene, alimentação, acompanhamento escolar, organização doméstica, rotinas de saúde e suporte emocional. Essas tarefas, embora não remuneradas, têm impacto direto na capacidade laboral da mãe e configuram contribuição indispensável para o desenvolvimento integral da criança.

 

A fundamentação dialoga diretamente com o Protocolo de Gênero e Economia do Cuidado, segundo o qual a divisão sexual do trabalho coloca sobre as mulheres o peso da jornada doméstica e afetiva — realidade que deve ser reconhecida pelo Judiciário para evitar decisões neutras apenas em aparência, mas injustas na prática.

Magistrada reforça que cuidar também é contribuir

 

O pai da criança sustentava que a mãe deveria “contribuir financeiramente” com o sustento da filha, argumentando que a obrigação não poderia recair apenas sobre ele. Ao aplicar o protocolo, a juíza foi firme ao esclarecer que:

 

  • a mãe já contribui ao exercer integralmente a economia do cuidado;
  • tal contribuição tem valor jurídico, ainda que não seja monetizada;
  • a guarda física da criança importa em esforço físico, emocional e profissional que não pode ser desconsiderado;
  • não é razoável reduzir o valor dos alimentos para que o pai possa continuar arcando com despesas de sua namorada ou de familiares adultos.

A decisão recorda entendimento consolidado do TJSP de que, quando a mãe assume sozinha os cuidados diários, isso deve ser considerado na fixação da pensão, como forma de impedir que a carga mental, doméstica e afetiva seja invisibilizada.

 

Fixação dos alimentos e paternidade responsável

 

Considerando os rendimentos do réu e os marcos normativos aplicáveis — Constituição Federal, Estatuto da Criança e do Adolescente e Protocolo de Julgamento com Perspectiva de Gênero — os alimentos foram fixados em 16,5% dos rendimentos líquidos do alimentante, com incidência sobre:

 

  • 13º salário,
  • férias,
  • horas extras,
  • verbas rescisórias (exceto FGTS),
  • adicional de qualquer natureza.

 

Na falta de vínculo empregatício, deverá ser pago o equivalente a 100% do salário mínimo.

 

A sentença também reforçou que a existência de outra filha não justifica o pagamento de valor módico, lembrando que o princípio da paternidade responsável impede que o pai utilize suas escolhas reprodutivas como argumento para diminuir o padrão de vida dos filhos já existentes.

Por que esta decisão importa?

 

A adoção do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero se mostra fundamental para:

 

Visibilizar a economia do cuidado, que por séculos recaiu exclusivamente sobre as mulheres.
Evitar decisões neutras apenas formalmente, mas que reproduzem desigualdades estruturais.
Promover corresponsabilidade parental, exigindo do genitor que assuma seu papel de forma integral.

Proteger o melhor interesse da criança, que deve ter garantidas condições materiais compatíveis com o padrão de vida de seus pais.

Afirmar que cuidado é trabalho, e que deve ser juridicamente reconhecido.

 

Essa visão está em consonância com o movimento contemporâneo de humanização e modernização do direito das famílias. Como destaca o artigo do IBDFAM, “fazer justiça em uma perspectiva de gênero exige reconhecer que o trabalho do cuidado sustenta a sociedade, embora permaneça invisível e desvalorizado”.

 

Conclusão

 

A decisão analisada representa um marco importante no fortalecimento de um Direito de Família com perspectiva de gênero, que reconhece desigualdades reais, acolhe vulnerabilidades específicas e busca maior equilíbrio na distribuição das responsabilidades familiares.

 

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