Com a sanção da Lei nº 15.240/2025, publicada no Diário Oficial da União em 29 de janeiro, o ordenamento jurídico brasileiro passa a reconhecer expressamente o abandono afetivo de crianças e adolescentes como ato ilícito civil, passível de indenização. A norma altera o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e consolida o entendimento de que o dever dos pais e responsáveis vai muito além da prestação material, abrangendo a convivência familiar, o apoio emocional e a presença ativa no processo de desenvolvimento.
A nova lei estabelece que a assistência afetiva inclui convivência regular, orientação sobre escolhas importantes, apoio em momentos difíceis e presença física quando necessária. A omissão injustificada poderá gerar reparação civil e outras medidas, como o afastamento do agressor da moradia comum em casos de negligência grave, abuso ou maus-tratos.
A legislação se alinha a decisões recentes dos tribunais brasileiros, que vêm aplicando a responsabilidade civil para reparar danos emocionais causados por abandono afetivo — seja por genitores, seja por responsáveis legais.
TJBA reconhece abandono afetivo praticado por guardiã judicial e apropriação indevida de pensão
Em linha com esse movimento de fortalecimento da proteção integral, a Terceira Câmara Cível do Tribunal de Justiça da Bahia julgou um caso emblemático envolvendo abandono afetivo praticado não por um dos pais, mas pela guardiã judicial de um adolescente acolhido institucionalmente por mais de uma década.
Segundo o acórdão, o jovem foi encaminhado para a guarda da prima após anos vivendo em abrigo, mas sofreu isolamento emocional, restrição injustificada de contato com cuidadores significativos e ausência de suporte afetivo. Testemunhas confirmaram que a guardiã chegou a impedir convívio com pessoas de referência emocional, prejudicando seu desenvolvimento psicológico.
O Tribunal também constatou que, mesmo após a saída do jovem da residência da guardiã aos 18 anos, ela continuou recebendo por três anos a pensão por morte destinada ao ex-guardado, sem comprovar a destinação dos valores, configurando enriquecimento sem causa.
Com base na violação dos deveres impostos pela guarda judicial, previstos no art. 33, §3º, do ECA, o TJBA condenou a guardiã ao pagamento de R$ 20.385,00 de danos materiais e R$ 5.000,00 de danos morais.
Acórdão: Apelação Cível nº 8018196-63.2020.8.05.0001
Acórdão
STJ mantém condenação de R$ 150 mil por abandono afetivo parental
A nova lei também dialoga com precedentes importantes dos tribunais superiores. Em decisão recente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve a condenação de um pai ao pagamento de R$ 150 mil à filha por abandono afetivo prolongado.
O homem rompeu os laços com a filha desde o nascimento, ignorou todas as tentativas de aproximação — inclusive bloqueando a jovem nas redes sociais — e descumpriu seus deveres legais. Laudos técnicos comprovaram sequelas emocionais permanentes, como depressão, baixa autoestima e traumas de rejeição.
O STJ manteve a decisão por razões processuais, consolidando um dos mais altos valores indenizatórios já fixados no Brasil para casos envolvendo abandono afetivo, atrás apenas do precedente de R$ 200 mil julgado pela Corte em 2012.
Avanço legislativo e jurisprudencial em defesa da afetividade
Com a promulgação da nova lei e o alinhamento dos tribunais, o Direito de Família brasileiro vive um momento de consolidação da afetividade como valor jurídico protegido, reafirmando que:
- o dever de cuidado é legal, e não mera liberalidade;
- a ausência injustificada de apoio emocional viola a dignidade de crianças e adolescentes;
- a responsabilidade civil alcança pais, guardiões, tutores ou qualquer responsável legal;
- danos emocionais graves são indenizáveis, especialmente quando comprovado o impacto no desenvolvimento da personalidade.
O acórdão do TJBA reforça que o abandono afetivo pode ocorrer em diferentes contextos familiares, inclusive na guarda judicial, e que a falta de convivência, apoio e orientação caracteriza violação aos direitos fundamentais da pessoa em formação.
Proteção integral e responsabilização: um caminho sem volta
A combinação da Lei nº 15.240/25 com decisões firmes dos tribunais superiores e estaduais confirma que o Judiciário brasileiro vem adotando uma postura mais incisiva para prevenir abusos, combater omissões e garantir às crianças e adolescentes o mínimo existencial afetivo.
A responsabilização civil passa a cumprir também função pedagógica e simbólica, deixando claro que:
Ninguém está autorizado a abandonar emocionalmente um filho ou uma criança sob sua responsabilidade.
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